Indiscutível é o peso da reforma trazida pela Lei n. 13.964/2019, popularmente conhecida como Lei Anticrime. Efetivaram-se numerosas e substanciais alterações no Código Penal, Código de Processo Penal e Legislação Penal Extravagante.
Dentre as modificações, destaca-se o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), disciplinado no art. 28-A, do Código de Processo Penal, que ampliou a justiça negocial e os espaços de consenso e, consequentemente, mitigou o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada, princípio este que, desde a Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) experimenta relativizações na política criminal brasileira.
Sobre o acordo, merece enfoque a discussão acerca da sua retroatividade, dado que, enquanto norma processual, sujeita-se a ser aplicada desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior, na dicção do art. 2º, do Código de Processo Penal.
A questão restaria pacífica, salvo pelo disposto no § 13, do art. 28-A do mesmo diploma legal, que sustenta que uma vez cumprido integralmente o acordo, o juízo decretará a extinção da punibilidade do agente.
Desta feita, a afetação à punibilidade caracteriza o ANPP como norma processual penal mista, pois em que pese previsto no Código de Processo Penal e submisso ao supracitado art. 2º, importa na punibilidade do agente, fato este que acarreta a sua aplicação retroativa.
Dessa forma, seja logo após o oferecimento da denúncia, seja durante a instrução processual ou, ainda, após a sentença, nos parece passível a aplicação do acordo. Entretanto, não é este o atual entendimento dos tribunais superiores.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça caminha no sentido de permitir a retroatividade somente em processos em que a denúncia não foi oferecida (RHC 134.071/MS, j. em 03/11/2020). A 6ª Turma, por sua vez, já assentiu a retroatividade a todos os processos não transitados em julgado (AgRg no HC 575.395/RN, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, j. em 08/09/2020).
Todavia, esta modificou, no HC 628.647, seu entendimento prévio, superando a divergência antes existente com a 5ª Turma e, por ora, ambas comportam a retroatividade do acordo, desde que ainda não recebida a denúncia.
No Supremo Tribunal Federal, a 1ª Turma inclinou-se a concordar com a 5ª turma do Tribunal da Cidadania e, desse modo, restringiu a aplicação ao período anterior ao recebimento da denúncia. É preciso ressaltar, contudo, que não houve manifestação do Plenário da Corte Suprema sobre a temática, a qual ocorrerá no âmbito do HC 185.913/DF.
Portanto, em virtude do instituto em comento se revestir de imperiosa relevância no que tange a possibilidade da extinção da punibilidade, têm os militantes da área criminal a obrigação de postular no sentido de permitir a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal a qualquer momento, considerando, para tal, os benefícios que se procederão com a sua homologação.